sábado, 11 de fevereiro de 2012

"A saúde precisa ocupar lugar central na agenda política do país" / Luiz Facchini

Conhecimento para enfrentar iniquidades em saúde

(Relatos do 8º Congresso Brasileiro de Epidemiologia)



Durante o 8º Congresso Brasileiro de Epidemiologia, promovido pela Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), o presidente da Abrasco, Luiz Augusto Facchini, destacou o papel das evidências na indicação de ações e políticas do SUS que contribuam para a redução das iniquidades em saúde. "A saúde precisa ocupar lugar central na agenda política do país", afirmou, destacando que o encontro entre comunidade científica e população deve ser prioridade do governo e demais entidades. "Encaramos a saúde como desenvolvimento", indicou.

Ele alertou que, apesar do país ser considerado a sétima economia mundial (poucos dias depois, pesquisa britânica situava o Brasil na sexta posição), ocupa o 60º lugar nos índices de saúde e de educação. "Queremos um SUS inteiro, completo, que contemple avanços na área de saúde materno-infantil e que enfrente os desafios propostos pelo câncer, pela violência urbana e pelos acidentes de trânsito".

O ministro Alexandre Padilha reforçou a importância da pesquisas para a construção e efetiva implantação do SUS e defendeu que o tema Saúde "não é só marginal ou lateral, mas cada vez mais econômico". Para o Brasil vir a se tornar a quinta economia mundial, tem que ser capaz de se tornar num país sem pobreza e sem desigualdades, asseverou. Por isso mesmo, o combate às iniquidades deve ser preocupação central no processo de desenvolvimento. Segundo ele, as mudanças no perfil epidemiológico da população ajudam a entender as transformações que ocorrem no país..

Padilha reforçou as capacidades do SUS, lembrando que o sistema é responsável pela internação de 1 milhão de pessoas por mês, pelo maior programa de atenção primária do mundo — que assiste cerca de 100 milhões de pessoas — e por um programa de imunização que produz 96% de suas vacinas. Ele lembrou que tudo isso é fruto da capacidade técnica e acadêmica de profissionais, mas também por sua vinculação com um projeto político, intelectual e teórico de Reforma Sanitária..

Desafios e avanços.

Ele reconheceu, no entanto, que o direito à saúde no país ainda é desigual: "Não alcançamos redução significativa em relação ao câncer, principalmente pela incapacidade do SUS de diagnosticar precocemente, tratar adequadamente e acompanhar o processo de reabilitação do doente", disse, considerando positiva a forma com que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem lidado com a sua doença. Padilha defendeu que a experiência vem ampliando o debate na sociedade e contribuindo para a redução do estigma e do preconceito que ainda envolvem a doença..

O ministro ainda listou como desafios o rápido envelhecimento da população, a epidemia de crack, o elevado número de morte de jovens, principalmente negros, e o alto índice de acidentes de trânsito. "Todas essas questões exigem um rearranjo do sistema de saúde e das políticas. Muitas dessas políticas universais não tratam de maneira diferente a quem precisa, não impõem a equidade no centro do planejamento e reforçam ainda mais as desigualdades", disse. .

Ele também citou avanços do setor, como a defesa da medida provisória que restringe o consumo de cigarros em ambientes fechados , a implementação das academias da Saúde, a diminuição do número de casos de malária — a menor taxa dos últimos 25 anos — e de influenza. Ainda assim, alertou para a possibilidade de uma nova epidemia de dengue em 2012. "Precisamos nos preparar"..

Autor: Adriano De Lavor e Elisa Batalha
Fonte: Revista RADIS, da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz

André Lara Resende: ‘Temos que rever o que consideramos progresso’


Fonte: Revista RADIS nº 114, publicada pela Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 09.02.2012.
"Temos que rever o que consideramos progresso" - André Lara Resende



Um dos criadores do real, economista diz que mundo não pode voltar a
crescer para sair da crise porque atingiu limite do planeta

RIO - Enquanto a evolução da crise mundial polariza o debate em torno de uma solução — entre os que defendem que os governos aumentem seus gastos para estimular o crescimento e os que sustentam que somente a adoção de planos de austeridade será capaz de acalmar os mercados —, o economista André Lara Resende analisa a questão sobre um novo ângulo. Um dos pais do Plano Real, ele diz que existe uma nova restrição: o fato de que atingimos os limites do planeta e, por isso, não podemos mais contar com a expansão da economia como um antídoto contra a crise..

— A capacidade de continuar a crescer nos padrões a que estamos acostumados esbarra nos limites físicos do planeta — afirma André Lara, hoje sócio da Lanx Capital, uma das maiores gestoras de recursos do país..

Recentemente, o economista jogou luz sobre o assunto ao escrever um artigo no jornal “Valor Econômico”, em que recomendava o livro de Paul Gilding, “A Grande Ruptura”, que também aborda o problema. Segundo André Lara, será preciso rever o que consideramos progresso, mas a sociedade não parece caminhar neste sentido:.

— Infelizmente, a recusa de ver e agir em relação aos limites ecológicos vai nos levar a uma transição muito mais desordenada e onerosa do que se nos tivéssemos sidos capazes de nos programar para ela — diz, em entrevista por e-mail ao GLOBO..

O GLOBO: O senhor diz que o remédio keynesiano (economista John Maynard Keynes, que defendia a retomada do crescimento, através de gastos públicos e estímulos ao consumo) para superar a crise e o elevado endividamento público não pode mais ser aplicado hoje e diz que a insistência nesse modelo "pode ser uma ortodoxia anacrônica". Mas como sair da crise, já que só crescendo resolveríamos o problema econômico?.

ANDRÉ LARA RESENDE: O crescimento reduz o tamanho relativo das dívidas, tanto privadas como públicas. É a forma menos onerosa e mais eficaz de resolver o problema da indigestão do endividamento excessivo, que ocorre após as grandes crises. Nos anos 30 do século passado, Keynes, com seu talento, sua capacidade de pensar de forma independente e imaginativa, mostrou como é possível usar os gastos públicos para reanimar uma economia estagnada. A situação dos anos 30 era diferente da atual em dois aspectos. Primeiro, porque a depressão levou a uma quebra generalizada, que eliminou o excesso de endividamento. O gasto público funciona como motor de arranque numa economia devastada, mas onde não há mais excesso de endividamento. Não é o caso hoje, porque a ação preventiva dos governos e dos bancos centrais evitou o colapso depressivo, mas em contrapartida, transferiu dívidas do setor privado para o setor público, que já está excessivamente endividado. Segundo — e esta é a restrição nova — porque a capacidade de continuar a crescer nos padrões a que estamos acostumados, por meio do aumento da produção e do consumo de bens materiais, para uma população mundial 40 vezes superior ao que sempre foi até a Revolução Industrial, esbarra nos limites físicos do planeta..

A teoria econômica sempre associou o crescimento ao bem-estar. Há ganho de renda, consumo... É possível ter um sem o outro?.

ANDRÉ LARA: Para a teoria econômica, crescimento e bem-estar sempre estiveram associados. Enquanto o nível de consumo é muito baixo, a correlação entre os dois é muito alta. Faz então sentido usar crescimento do produto, uma medida relativamente fácil de ser observada, como indicador de bem-estar. Sabe-se hoje, que a partir do momento em que as necessidades básicas estão superadas, o aumento da renda e da disponibilidade de bens materiais tem muito pouca correlação com o bem estar. Muito mais do que ao aumento do consumo material, o bem-estar passa então a estar associado à coesão social, à qualidade da vida comunitária e a uma menor desigualdade. Pode-se, com certeza, ter aumento de bem estar sem crescimento do consumo material. Para isso, é preciso romper com o equívoco mais agressivamente promovido na modernidade: o de que para ser feliz é preciso consumir, ainda que coisas cada vez mais desnecessárias..

O que dizer aos milhões que vivem na miséria no mundo hoje? Como eles sairão da pobreza se precisaremos parar de crescer?.

ANDRÉ LARA: A questão da pobreza, da miséria em que vive ainda grande parte da população mundial, é séria e precisa ser atacada com urgência, mas, se o extraordinário crescimento material dos últimos séculos não resolveu o problema da miséria até hoje, é porque nunca irá resolver. Levantar a bandeira do crescimento material, baseado no consumo de bens cada vez mais supérfluos, em nome do combate à miséria no mundo, é profundamente desonesto..

E para os que estão saindo agora da pobreza e finalmente podendo comprar, caso da classe C no Brasil? Como dizer a eles que não podem consumir porque chegamos ao limite do planeta?.

ANDRÉ LARA: A solução não é produzir e consumir mais bens materiais, mas sim reduzir a desigualdade de padrões de consumo. Não é preciso impedir que os mais pobres tenham acesso a um padrão de vida decente, mas sim interromper a espiral de aspirações consumistas estapafúrdias de toda sociedade. Aspirações alimentadas pela propaganda, tanto explícita, como subliminar, mas, sobretudo, enganosa, de que quem mais consome é mais feliz..

Essa ruptura seria o enterro formal do capitalismo como conhecemos hoje?.

ANDRÉ LARA: Ao esbarrarmos nos limites físicos do planeta, teremos necessariamente que rever o que consideramos progresso, o que exige rever nossa visão de mundo. O sistema de preços competitivos, como sinalizadores da produção e do consumo, será sempre uma ferramenta fundamental para a organização da economia. Não me parece possível, nem desejável, prescindir do sistema de preços, sobretudo, no momento em que a economia precisa passar por uma reorganização profunda. É preciso, isto sim, ter consciência das suas limitações. No caso dos bens públicos, para os quais o consumo não tem custo individual, mas há custo coletivo, o sistema de preços não cumpre seu papel..

O Japão não cresce há quase 20 anos e tem elevado nível de qualidade de vida. O país pode ser um modelo a ser adotado neste novo padrão que a sociedade precisará ter?.

ANDRÉ LARA: A estagnação da economia japonesa, que já dura mais de 15 anos, desde o estouro da bolha imobiliária por lá, pode ser vista como precursora das dificuldades que as demais economias avançadas enfrentam, desde a crise de 2008. A homogeneidade cultural e social do Japão é, sem dúvida, fator importante para que o país tenha resistido relativamente bem à economia estagnada..

Alguns críticos dizem que a tese da ruptura brusca e traumática, e até com racionamento, surge da incapacidade de os economistas explicarem como se sai da crise. O que o senhor acha disso?.

ANDRÉ LARA: Compreender as dificuldades e pensar como superá-las é responsabilidade coletiva. Não é atribuição exclusiva de economistas..

Ao mesmo tempo em que o planeta dá sinais de esgotamento, os governos não parecem sensíveis ao tema. Como resolver o problema sem uma política pública clara e direcionada?.

ANDRÉ LARA: Apesar de muito barulho, parece não haver ainda uma verdadeira consciência de que os limites físicos do planeta foram ou estão prestes a serem atingidos. Temos grande dificuldade de ver e aceitar o que nos obrigaria a mudar nossa visão de mundo. Infelizmente, a recusa de ver e agir em relação os limites ecológicos, vai nos levar a uma transição muito mais desordenada e onerosa do que se nos tivéssemos sidos capazes de nos programar para ela..

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Conferência Mundial de Determinantes Sociais da Saúde

Para os realmente interessados em Saúde Pública, reproduzo matéria publicada pela revista Radis, da Escola Nacional de Saúde Pública, da qual sou assinante. (Edilvo Mota)

Equidade e direito à saúde entram na agenda global
Com declaração final restrita e apontando que ainda há longo caminho a trilhar, maior evento da OMS


(Foto: Sérgio Eduardo de Oliveira)

O sucesso de uma conferência pode ser determinado pelo impacto que gera nas políticas públicas locais, nacionais e, mesmo, internacionais, e que se faz sentir ao longo do tempo. Assim, o tempo deverá mostrar se a Conferência Mundial de Determinantes Sociais da Saúde (CMDSS), realizada no Rio de Janeiro, de 19 a 21 de outubro, será um marco tão grande na Saúde — para o Brasil e para o planeta — quanto foi, por exemplo, a Conferência de Alma Ata, realizada há 34 anos, em 1978, no Cazaquistão, e que até hoje inspira os militantes da reforma sanitária e os vigilantes da garantia da saúde como direito. Os dados gerais apontam que a comparação é pertinente: com a CMDSS — considerada a culminância de um processo iniciado com a criação da Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde, em 2006 (Radis 45, 46 e 49)) —,o tema dos determinantes ganhou importância e destaque inéditos e entrou definitivamente na agenda global, das Nações Unidas, da Organização Mundial da Saúde (OMS), dos ministérios da Saúde e agências internacionais. Foi o maior evento da OMS realizado fora de sua sede, desde Alma-Ata, reunindo representações de alto nível de 130 dos 193 Estados-membros, a maioria ministros da Saúde.
Organizada pelo governo brasileiro, em parceria com a OMS, a conferência girou em torno de cinco eixos — melhor governança em saúde, participação social nas discussões de políticas relacionadas aos DSS, o papel do setor Saúde na redução das iniquidades, ação global sobre os determinantes e monitoramento e medição sobre as iniquidades para orientar políticas públicas —, os mesmos que nortearam o seminário preparatório organizado pela Fiocruz em agosto 2011.
Por conta da CMDSS, dois importantes documentos foram produzidos.  O primeiro deles, o documento técnico Diminuindo diferenças: a prática das políticas sobre os determinantes sociais da saúde, foi discutido pelos países durante as semanas que antecederam a conferência e orientou o evento e os relatórios das discussões realizadas nos três dias. O outro foi a Declaração Política do Rio, assinada ao final, pelos representantes dos Estados participantes. Esses produtos da conferência foram, ao mesmo tempo, celebrados e criticados. O ganho de se ter, hoje, um documento oficial referendado por 130 países, voltado ao tema dos determinantes contrasta com o fato de este trazer lacunas contestadas por pesquisadores, gestores, pensadores e representantes das organizações da sociedade civil. O saldo foi positivo, mas o caminho ainda é longo. “É o documento possível, o que pôde contemplar a diversidade de olhares, percepções e prioridades”, avalia o sanitarista e diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz, Paulo Buss, que participou da organização da conferência.
 
DESIGUALDADE
Os desafios a serem enfrentados em um mundo desigual ficaram expressos desde a abertura do evento. Em seu discurso, a diretora geral da OMS, Margaret Chan, criticou os efeitos da globalização, inicialmente apontada como oportunidade de se eliminar a pobreza, mas que acabou por aprofundar as desigualdades. “As diferenças entre países estão maiores do que nunca”, pontuou. Chan estabeleceu como meta tirar 1 bilhão de pessoas da pobreza. Em sua avaliação, não basta se responsabilizar pela saúde dos cidadãos: é preciso que os países-membros evitem o empobrecimento e melhorem as condições de vida de sua população.
Também ligadas à globalização, que difundiu um padrão de consumo, as doenças crônicas não transmissíveis foram lembradas por Margaret Chan — que citou a reunião de alto nível sobre o tema realizada pela ONU, em setembro de 2011. Ela observou que essas doenças têm sido diagnosticadas tardiamente e tratadas por pagamento direto dos usuários, o que gera gastos catastróficos e empurra ainda mais pessoas para baixo da linha da pobreza.

CARTA DE OTTAWA
Na opinião de Chan, devem ser reforçadas as políticas de promoção da saúde e de prevenção de fatores de risco como obesidade e tabagismo, ainda que a luta para restringir a atuação da indústria do tabaco seja difícil. “Ensine seus cidadãos a não se curvar às forças que minam a saúde e mostrem que a saúde das pessoas deve estar sempre à frente da saúde das empresas”, conclamou Chan, ressaltando, ainda, a importância de a conferência se realizar em 2011, “ano inspirador”, por marcar os 25 anos da Carta de Ottawa (fruto da 1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada no Canadá, em 1986), que estabeleceu a saúde como “estado de completo bem estar físico, mental e social”; e o ano no qual eclodiram os movimentos por democracia e direitos humanos no Oriente Médio, provando que “a equidade é um imperativo para um mundo mais seguro”.
O protagonismo do Brasil, não só por ter sido anfitrião e organizador do evento, como pelas políticas que vem levando à frente, foi destacado tanto por Chan quanto pelos demais participantes da conferência. “O Brasil é o país adequado para sediar a maior reunião promovida pela OMS nos últimos 30 anos, já que o governo brasileiro tem priorizado a saúde e investido na redução das desigualdades”, disse ela, em coletiva à imprensa e na fala de abertura. “O Brasil é a sede ideal por ter um forte movimento social de reforma da saúde, que superou a visão biomédica e mostrou que todos os segmentos e políticas públicas deviam atuar juntos para alcançar melhores indicadores”, disse Chan, observando que o país tem papel de liderança no cenário mundial, o que o coloca em boa posição na definição de prioridades, no que se refere aos DSS.
Os ideais de Alma-Ata e sua repercussão mundial, especialmente no Brasil, foram trazidos à tona pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, lembrando que pouco depois daquela conferência o Brasil assumira o desafio de criar seu sistema de saúde universal. “Ao longo de mais de 20 anos, o SUS foi afetado pelas crises típicas de um país em desenvolvimento — inflação, dívida externa, desemprego — mas não renunciou ao compromisso de oferecer saúde universal e gratuita ao seu povo”, discursou. “Abrir mão do SUS seria abrir mão de um projeto de desenvolvimento”.
Segundo o ministro, o Brasil tem apostado em três “ingredientes” para diminuir a desigualdade: democracia, crescimento econômico ambientalmente sustentável e distribuição de renda via programas sociais. “Buscar equidade para todos, enfrentando as desigualdades, é o caminho para o desenvolvimento de um país”, apontou, ressalvando que ainda há grandes diferenças a se enfrentar entre homens e mulheres, ricos e pobres, cidade e campo. “Jovens negros são mais vitimados pela violência e pessoas com deficiência têm mais dificuldade de acesso”, exemplificou.

ATUAÇÃO INDEPENDENTE
Padilha apontou como desafio a se enfrentar no plano global garantir acesso aos medicamentos e às novas tecnologias. E fez dois pedidos à OMS. “A OMS tem de evitar que o acesso seja impedido por questões comerciais”, defendeu, conclamando os países-membros a lançar mão de mecanismos como a licença compulsória para superar a regulação da propriedade intelectual.
Nesse sentido, pediu também que a OMS passe por uma reforma para se adaptar à realidade mundial, sendo ainda mais dirigida pelos países-membros e com atuação independente dos interesses que não os públicos. “Temos a oportunidade de realizar aqui a Alma Ata do século 21, com outras perspectivas e outras questões, de deixar nossa marca na história da saúde pública mundial”, afirmou o ministro.

DESENVOLVIMENTO E SAÚDE
Em mesa redonda reunindo ministros e outras autoridades em Saúde e abordando o tema do desenvolvimento, logo após a abertura da conferência, foi possível conhecer a forma como diferentes países, tais como Grécia e Estados Unidos, vêm lidando com o desafio de garantir a saúde em meio à crise econômica atual, bem como os caminhos encontrados para a redução das desigualdades — caminhos que nem sempre contemplam a todos de forma equânime, como se pôde perceber. Moderada pela jornalista da BBC World Zeinab Badawi, a mesa pautou-se pelas provocações que ela dirigiu aos convidados.
A situação vivida pela Grécia, em meio à crise econômica atual, no que diz respeito à manutenção de seu sistema de saúde, foi apresentada pelo ministro da Saúde e da Solidariedade Social daquele país, Andreas Loverdos. “É sabido que a Grécia está no olho do furacão da crise e, por isso, foi necessário tomar algumas medidas duras”, anunciou. Segundo Loverdos, o sistema público de saúde da Grécia recebeu, desde 2009, 30% a mais de pacientes e conta com 20% de recursos a menos. “Com isso, foi preciso diminuir salários, fazer pressão por melhor uso das unidades e dos recursos humanos e lutar por preços mais baixos de suprimentos”, disse, explicando que somente assim continua sendo possível atender a todos, com ou sem seguro de saúde, imigrantes ilegais ou não. A proposta de diminuir os salários dos profissionais de saúde, ressaltou, tem causado fortes reações. “Mas não há outra solução”, justificou, informando em seguida que o governo grego, visando à redução dos gastos, buscou também a fusão de departamentos internos, criou diretrizes de cuidado à saúde e luta contra as más práticas e o erro médico. 
A diretora geral da OMS, Margaret Chan, também participou da mesa e foi a primeira a responder às provocações da mediadora. “A OMS não sofreria pressão da indústria do cigarro?”, indagou a jornalista. “A saúde das pessoas precisa estar à frente da saúde das empresas”, respondeu Chan, informando que a proposta da OMS é unir os países e influenciar as indústrias a encontrar um equilíbrio saudável. “O mercado não é homogêneo. Algumas empresas são boas; outras, ruins. Então vamos trabalhar com os bons”, recomendouPerguntado pela jornalista da BBC até que ponto a Grécia conseguiu medir o impacto da crise financeira na saúde mental da sua população, Loverdos disse estar chocado com o aumento desse problema no país. “Mas se chocar não basta. Temos que reagir”, disse.
Já a secretária de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, Kathleen Sebelius, tratou da nova lei que garante acesso a todos à saúde, proposta pelo governo de Barack Obama. O foco é a expansão gratuita dos serviços de saúde, segundo Kathleen, abarcando cidadãos americanos e residentes legais e prevendo para os residentes ilegais centros comunitários de saúde. “Seria um sistema multifacetado para assistir a todos”, considerou.

Ela destacou a saúde como algo que vai além de consultórios médicos e salas de operação, tratando assim da necessidade da colaboração intersetorial e de uma boa governança. “Saúde é muito mais que isso, é o que comemos, respiramos, trabalhamos e vivemos”, refletiu. Segundo a secretária, um terço das crianças americanas sofrerá de diabetes e obesidade, e serão as crianças afroamericanas as mais afetadas. “Os Estados Unidos gastam US$ 100 bilhões por ano com diabetes, por exemplo. Se não agirmos nesse momento para prevenirmos a doença, os gastos com tratamento em saúde continuarão a subir”, observou.

CRISE ECONÔMICA

Para a ministra brasileira do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, outra participante do debate, a discussão sobre os DSS não deve abstrair a atual crise econômica. Debater o modelo de enfrentamento da crise, avaliou, significa evitar o retrocesso das políticas sociais. “É preciso crescer distribuindo renda”, observou, dando como exemplo a política brasileira de combate à desigualdade social que conseguiu tirar da pobreza 28 milhões de brasileiros. “Isso é resultado de decisões políticas”, afirmou, recebendo muitos aplausos. Segundo Tereza, quatro diretrizes sustentam essa política: valorização do salário mínimo; fortalecimento da agricultura familiar; universalização da saúde, da educação e da assistência social; e investimento em programas de transferência de renda, como o Bolsa Família — voltado às famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. “Já sabemos que 40% das crianças assistidas pelo Bolsa Família tiveram melhora nos índices de peso e altura; houve redução da desnutrição infantil e melhora do desenvolvimento escolar”, anunciou, citando em seguida o Plano Brasil sem Miséria, direcionado aos brasileiros que vivem em lares cuja renda familiar é de até R$ 70 por pessoa e que visa a ampliação de programas de transferência de renda, o acesso a serviços públicos, nas áreas de educação, saúde, assistência social, saneamento e energia elétrica, e a inclusão produtiva.
Após questionamento da mediadora Zeinab de como assegurar que os recursos do programa brasileiro sejam usados adequadamente, Tereza informou que os beneficiários, em sua maioria, são mulheres-chefes de família (93%), o que provocou o fortalecimento do papel da mulher na economia e dentro de casa.  “Essas famílias, chefiadas por mulheres, gastam, principalmente, com comida, material escolar e roupa”, apontou

NOVOS ATORES
A administradora associada do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Rebecca Grynspan, considerou que, ainda que a saúde seja central, a resposta para muitos problemas não está no setor Saúde. “As pessoas pobres pagam mais por água, eletricidade e comida. Elas pagam com sua própria saúde”, disse, referindo-se ao fato de as classes com poder aquisitivo menor não poderem ter, por exemplo, acesso a uma boa alimentação. Ela chamou atenção ainda para a necessidade de se trazerem novos atores para a arena dos DSS, dar voz às pessoas mais vulneráveis e estabelecer parcerias mais eficazes. Para Rebecca, o fato de tantas pessoas colocarem a equidade no centro da agenda, como na CMDSS, já representa grande avanço. “Esse deve ser também o tom da Rio+20”, recomendou, citando a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável que será realizada entre os dias 20 e 22 de junho deste ano no Rio de Janeiro (Radis 112).
Encerrando a mesa, o diretor-executivo do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), Michel Sidibé, considerou a CMDSS um marco, “pois falar de determinantes sociais da saúde é falar de justiça social e redistribuição de oportunidades”. Para Sidibé, a conferência propiciou reflexão sobre políticas públicas equivocadas que isolam ainda mais as pessoas já isoladas e excluídas, a exemplo dos usuários de drogas injetáveis que acabam se escondendo mais quando os sistemas de saúde não sabem recebê-los. “Nossa abordagem na área da saúde precisa mudar”.
À jornalista da BBC, que perguntou a Sidibé se adiantaria distribuir medicamentos em condições de vida como a que presenciou em Uganda, na África, onde, depois de pegar seus kits de medicamentos para o tratamento do vírus da aids, as pessoas retornavam para habitações insalubres, Sidibé respondeu: “Não acho que a solução seria não dar medicamentos, uma vez que 30 milhões de pessoas morrem em decorrência do vírus da aids. Mas, precisamos também pensar em uma mudança no desenvolvimento”.
A mesa-redonda abriu caminho para os debates que se seguiriam no segundo dia do evento, com foco nos cinco temas da conferência.
Autor: 
Adriano De Lavor, Bruno Dominguez, Eliane Bardanachvili e Katia Machado (Colaboraram: Jorge Ricardo Pereira e Justa Helena Franco)