terça-feira, 7 de setembro de 2010

UM CLÁSSICO DA JUSTIÇA

(por Luís Nassif, jornal Folha de S.Paulo, 02.04.2004)


Decisão proferida pelo juiz Rafael Gonçalves de Paula nos autos nº 124/03 – 3º Vara Criminal da Comarca de Palmas (TO), de fins de 2003:

“Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude de suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o sr. promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão”.


“Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Gandhi, o direito natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões aos cofres públicos, o risco de colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional).”

“Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.”

“Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.”

“Poderia brandir minha ira contra os neoliberais, o Consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia.”

“Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra – e aí, cadê a Justiça neste mundo?”

“Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.”

"Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.”

“Simplesmente mandarei soltar os indiciados.”
“Quem quiser que escolha o motivo.”

“Expeçam-se os alvarás. Intimem-se.”




2 comentários:

Aristeu disse...

Pena que estou envolvido numa causa e o Juiz não é este!

Renato disse...

Olá Edilvo, tenho um selo para vc em meu blog!
Parabéns pelo blog!

Renato Cury