Ana Lagôa *
Os deslizamentos e enchentes que atingiram a Região Serrana fluminense em 12 de janeiro deste ano quebraram paradigmas importantes no campo da geologia, da climatologia e da sociologia das catástrofes. Reunidos em Teresópolis, nos dias 26 e 27 de fevereiro, pesquisadores e representantes da sociedade civil das sete cidades atingidas fizeram do 1º Fórum Nacional de Prevenção e Gerenciamento em Eventos Extremos um marco ao redigirem a Carta de Teresópolis.
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(A ironia da foto fica por conta das bandeirolas do Brasil, penduradas na parede da casa nº 18)Resumo das principais apresentações, a carta traz demandas a partir de algumas conclusões: as tempestades do tipo da que arrasou 50 quilômetros de encostas serranas serão cada vez mais fortes e mais frequentes; nem a população, nem os gestores públicos estão preparados para tal impacto e urge que as prefeituras estabeleçam um plano emergencial adequado aos novos padrões climáticos, dando atenção especial à forma de ocupação do solo, aos alertas de tempestades e ao treinamento adequado da população civil.
Organizado pelo Centro de Ecologia Aplicada de Teresópolis (Ceat), com apoio de empresários da cidade, o fórum — que ganhou caráter permanente — possibilitou a troca de experiências com gestores de outras cidades que passam por problemas semelhantes. João Paulo Kleinubing, prefeito de Blumenau (SC), tornou-se referência para as propostas surgidas durante o encontro, no sentido de se trabalhar, não apenas pela reconstrução do que foi destruído pelas águas, mas pela reinvenção das cidades, em outras bases arquitetônicas, ambientais e urbanísticas, respeitando-se as características naturais e removendo efetivamente as populações das áreas de risco.
Outro ponto importante do encontro foi a valorização das pesquisas acadêmicas pelas autoridades que administram as cidades. “As parcerias são indispensáveis para que os governantes tomem decisões em cima de dados corretos e não apenas a partir de percepções de risco que nem sempre correspondem à realidade”, afirmou Kleinubing, depois de visitar os pontos mais dramáticos de Teresópolis e também outras cidades da região.
Na Saúde, representantes da área médica dos principais hospitais da cidade se mostraram preocupados com as possíveis epidemias, sobretudo da leptospirose, já que os sobreviventes — por conta própria ou resgatados — tiveram que atravessar zonas cobertas de lama, muitas vezes mergulhando até a altura do peito. O professor e médico sanitarista Luiz Guilherme Peixoto do Nascimento, epidemiologista da rede pública de saúde, explicou detalhadamente as causas e a evolução da doença, mas garantiu que a rede está preparada para atender a população.
“A Carta de Teresópolis se tornou o documento-base para os próximos encontros do fórum e para a edição da Cartilha dos Eventos Extremos”, afirma o presidente do Ceat, o médico Augusto Braga. “A viabilidade da proposta, que vai muito além das ações emergenciais de praxe, vem sendo discutida também com representantes da sociedade civil das outras cidades serranas e será entregue aos seus administradores”. A Carta será levada também para debate entre estudantes, tanto nas universidades como nos níveis médio e fundamental.
A Carta de Teresópolis reforça a necessidade de maior proximidade entre os interesses públicos e privados, tendo em vista que — não só em Teresópolis, mas também em grande parte dos municípios brasileiros — a vida humana está sendo relegada em favor de investimentos que visam o lucro e a especulação. É importante destacar, ainda, que as demandas listadas no documento dão novo sentido à relação do homem com o meio ambiente, superando definitivamente a visão ingênua que, por longos anos, impregnou o discurso verde. A realidade, dura e crua, da destruição avassaladora que as populações serranas fluminenses seguem vivendo (embora a grande imprensa tenha esquecido o assunto) certamente é um marco histórico, tanto por estar quebrando paradigmas da geologia e da climatologia, como por estar impondo novas atitudes, tanto da sociedade civil, como do poder público, sob o risco de se ter comprometido o futuro de várias gerações de serranos.
Ou seja: é premente que se façam mudanças amplas e profundas nas políticas de ocupação do solo, de gestão de crise e de educação ambiental. Fechar os olhos para isso é esquecer que somos o lado frágil do embate homem-natureza; é preparar terreno fácil para que as próximas tempestades se transformem novamente em catástrofes.
* Ana Lagôa é voluntária do Centro de Ecologia Aplicada de Teresópolis, jornalista e coordenadora do Núcleo de Estudos de Comunicação e Educação (Nece).
Ver a íntegra da Carta de Teresópolis em www.ecoaplicada.com e em www.ensp.fiocruz.br/radis.
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