sexta-feira, 19 de março de 2010

SUS: PARTO DIFÍCIL

“O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.” (Parágrafo 1º, da Lei 8.080/90 - Lei Orgânica da Saúde)

Contrariamente ao que pode supor qualquer vã filosofia, o Sistema Único de Saúde não nasceu em berço esplêndido. Pensado e articulado nas bases de movimentos populares e entre sanitaristas, o SUS encontrou, na sua gênese, uma infraestrutura de serviços públicos precária e desarticulada.

Historicamente, a saúde coletiva no Brasil jamais ocupou o topo da escala de prioridades do setor político; senão em breves espasmos, ocasionados por endemias e epidemias cujo epicentro ronda e ameaça as classes sociais mais abastadas. Os recentes episódios da “gripe suína” e da dengue são exemplos clássicos do pânico e desordem social, provocados quando a ameaça ultrapassa os muros dos guetos da miséria.

Desde o início do século 20, a saúde coletiva dependeu do esforço de abnegados e convictos sanitaristas, cujo exemplo pode ser personificado nas figuras de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas. Por seu turno, os governos de plantão jamais se debruçaram sobre o tema com a acuidade e denodo necessários, visando promover as condições sócio-econômico-ambientais imprescindíveis para a adequada promoção e proteção à saúde. Nunca houve qualquer projeto articulado de investimentos, visando dotar o país de razoável rede de serviços públicos de saúde. Na esteira desse descaso, também não foram promovidos concursos públicos em escala suficiente.

Em meados da década de 60, da fusão dos institutos de previdência surgiu o INPS, sob cuja responsabilidade ficou a assistência à saúde da população. Porém, apenas tinham direito à assistência os cidadãos vinculados à previdência; ou seja, quem tinha emprego com carteira assinada. Aos demais, deserdados pela sorte e sem emprego, restava contar com a eventual caridade ou ficar - diria Raul Seixas - esperando a morte chegar.

Simultaneamente, ao longo do tempo o poder público optou por contratar serviços privados de saúde, ao invés de estruturar a rede pública. Numa relação mal gerida, sem fiscalização e com a ocorrência de fraudes de toda ordem, como o pagamento por partos realizados em homens. Relação que enriqueceu muita gente e empobreceu a estrutura da saúde pública.

Esta é uma das razões para a inserção, na Lei Orgânica da Saúde, do parágrafo 4º, do artigo 26:

“§ 4° Aos proprietários, administradores e dirigentes de entidades ou serviços contratados é vedado exercer cargo de chefia ou função de confiança no Sistema Único de Saúde (SUS).
Regramento jurídico este ignorado pela maioria dos gestores públicos, especialmente nos municípios, onde acordos políticos sobrepujam o critério técnico. Daí, tantos gestores tecnicamente despreparados, pouco familiarizados com as lides da administração pública e com os princípios da Saúde Coletiva.

Nesse mal traçado caminho foi criado o Sistema Único de Saúde, idealizado para acolher de forma universal e integral todos os cidadãos brasileiros. E, ao largo da falta de estrutura de serviços e pessoal, tanto o governo federal como o Congresso Nacional se esqueceram de uma equação óbvia: o provimento de recursos orçamentários adequados, para fazer frente ao gigantesco desafio que se impunha, a partir de então, ao SUS.

Sobre o financiamento do SUS, falaremos no próximo artigo.

Boa semana a todos.


“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu"


edilvomota@hotmail.com

Um comentário:

Wilson José Prado disse...

Está no meus favoritos. Esperamos muita coisa boa daí. Tem competência. Boa sorte!
Wilson J. Prado